quinta-feira, 16 de julho de 2009

TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA

A FIGURA FEMININA NA OBRA DE JORGE AMADO:
TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA[1]
Francisco Roberto de Oliveira Viana[2]

Resumo: Grande criador de personagens é Jorge Amado e tomando como ponto de partida a literatura baiana, este trabalho objetiva estudar as relações da figura feminina, a sensualidade, a força, o erotismo que é imposta à figura feminina por meio de regras sociais. O objeto de análise foi à obra de Jorge Amado, Tereza Batista Cansada Guerra e este artigo procura refletir sobre a figura feminina e o erotismo, nesse romance, enquanto elemento narrativo que atua como um ingrediente a mais na busca da percepção das redes sociais, culturais, econômicas de determinada região do Brasil, conseqüentes dessas relações femininas e seu poder na sociedade. Para tanto, foi analisado também o comportamento da figura feminina nessa obra. Desta maneira, constroem realidades, propõem estilos de vida, ampliam espaços sócio-simbólicos e articulam sentidos. Esse trabalho foi elaborado metodologicamente através de pesquisas bibliográficas em que autores renomados como: Alberoni (1986), Barthes (1999), Bataille (1987), Culler (1999), Duringan (1985), Lima (1954), Tavares (1983), Amado (1982), entre outros, tiveram suas obras lidas e analisadas, em as reflexões resultaram na redação final desse artigo. O presente trabalho apresenta primeiramente uma abordagem sobre a literatura e o regionalismo característica primordial da obra de Jorge Amado, em seguida mostra-se breves considerações sobre sua vida e obra, após há um breve resumo do romance explorando a representação da figura feminina e por fim o erotismo presente na obra. Dessa forma, percebe-se que a ficção de Jorge Amado possibilita através de um discurso narrativo que se entenda a reelaborarão de espaços da Bahia, e principalmente a figura feminina que age nesses espaços, no caso, Tereza Batista.

Palavras-Chave: Jorge Amado; Literatura / Regionalismo; Figura feminina; Erotismo.


INTRODUÇÃO

Pode-se atribuir ao senso poético de Jorge Amado o amor lírico que volta à sua terra, bela terra colorida e amena. Mas para conhecer as razões que o fazem amar o povo e a liberdade é importante perceber detalhes que transporta para suas obras como: personagens, descrição do modo de vida e á compreensão dos sentimentos e aspirações populares. Não se vislumbra em suas obras o mínimo vestígio de ranço racista nem de quaisquer outros preconceitos discriminatórios, sejam de ordem física ou âmbito mental, imaterial – tudo é fraternidade igualitária.
Percebe-se também que Jorge Amado ama o povo porque Vê a humanidade como uma só, porque está persuadido de que cada indivíduo leva em si toda a humanidade e por isso o homem em sua essência é livre. Suas obras não enuncia, mas é perceptível, a falta de uma sociedade justa e racional.
Jorge Amado revela-se um homem culto, um escritor com sensibilidade aguçada, um crítico que procurava denunciar os problemas sociais que norteavam a sociedade da época, despreocupando-se com o rigor formal da linguagem literária, trazendo a oralidade para suas páginas.
Ao longo da sua produção literária esse autor procura reelaborar através de recortes espaciais uma feição de referencia ao Nordeste e, principalmente à Bahia. Assume, assim um papel importante na representação do espaço sócio-histórico que é delimitado pelo próprio escritor como o espaço por excelência chamado Bahia, terra da felicidade e da liberdade.
Para este espaço físico retratado em suas obras que é ao mesmo tempo singular e plural, Jorge Amado constrói personagens que representam o povo baiano com sua mestiçagem.
A obra abordada como tema central deste trabalho chama a atenção para muitos problemas sociais como: preconceitos, prostituição, a vida sofrida deste povo. Mas esse trabalho tem como objetivo principal apresentar a feminilidade, a beleza, a sedução, o erotismo da personagem principal – Tereza Batista. Assim, a figura feminina da obra Tereza Batista Cansada de Guerra, dentre suas muitas características, representa as mulheres sensuais, os ritmos exóticos que evocam a origem africana, as comidas temperadas com essências picantes, a Bahia dos malandros, mas amorosos, a essência da mulher meretriz com toda sua dignidade.
A metodologia utilizada para a elaboração desse trabalho foram as pesquisas bibliográficas, em que leituras, reflexões e análise de várias obras que abordavam o tema, foram realizadas. Entre os autores estudados pode-se citar: Alberoni (1986), Barthes (1999), Bataille (1987), Culler (1999), Duringan (1985), Lima (1954), Tavares (1983), Amado (1982), Veríssimo (1954), Pound (1975), Marcondes (1988), entre vários outros autores renomados que muito contribuíram para a elaboração desse artigo.
Esse trabalho divide-se nos seguintes capítulos: no primeiro fez-se necessário apresentar breves abordagens sobre a literatura brasileira e o regionalismo, em seguida relatou-se de forma breve sobre a vida e obra de Jorge Amado e um abreviado resumo do romance Tereza Batista Cansada de Guerra enfocando a figura feminina. Por último, no terceiro capítulo, aborda-se o erotismo feminino como forma presente nas obras desse autor, revelando a mulher representada na figura de Tereza Batista, que não deixa de ser o retrato de muitas mulheres brasileiras.
Percebe-se também nessa obra um nobre sentimento: a esperança. Por maiores que sejam os sofrimentos realisticamente descritos em sua literatura, mesmo naqueles mais dolorosos, o que em essência, resulta é uma mensagem de esperança.


1 JORGE AMADO E A LITERATURA BRASILEIRA: ENFOQUE NO REGIONALISMO

A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência de realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram ás vezes origem perderam a realidade primitiva e adquiriram outra, graças à imaginação do artista. São agora fatos de outra natureza, diferentes dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela história ou pelo social.
O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não são mensuráveis pelos padrões das verdades fatuais. Os fatos que manipulam não tem comparação com os da realidade concreta. São as verdades humanas gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das coisas humanas, um sentido da vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida, o qual sugere antes que esgota o quadro.
A Literatura é, assim, vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, se toma contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana.
A literatura é uma manifestação artística. E, entre, as várias manifestações artísticas há pontos comuns e pontos distintivos. Sabe-se que o principal elemento de distinção é a maneira de se expressar, a matéria-prima com que trabalha cada artista.

A distinção entre literatura e demais artes vai operar-se nos seus elementos intrínsecos, a matéria e a forma do verbo. De que serve o homem de letras para realizar seu gênio inventivo? Não é, por natureza, nem do movimento como o dançarino, nem da linha como o escultor ou o arquiteto, nem do som como o músico, nem da cor como o pintor. E sim – da palavra. A palavra é, pois, o elemento material intrínseco do homem de letras para realizar sua natureza e alcançar seu objetivo artístico. (LIMA, 1954, p. 83).

Entretanto, é necessário atentar para o fato de que não basta fazer uso da palavra para produzir literatura. É importante lembrar que a função poética da linguagem ocorre quando a intenção do emissor está voltada para a própria mensagem, quer na seleção e combinação das palavras, quer na estrutura da mensagem, com as palavras caracterizadas de significado.
Trabalhando a palavra, o artista literário busca uma expressão formal – o ritmo, o estilo, a forma, as figuras de linguagem – que proporciona o prazer estético. Porém, é importante salientar que uma obra literária não se eterniza apenas pelo aspecto formal se não tiver sustentação, também, no conteúdo.

Literatura á arte literária. Somente o escrito com o propósito ou a intuição dessa arte, isto é, com os artifícios de invenção e de composição que a constituem, é a meu ver, literatura. (VERÍSSIMO, 1954, p. 111).

Assim define literatura o crítico José Veríssimo e, a partir do momento em que se aceita literatura como uma manifestação artística.
As manifestações artísticas são múltiplas – pintura, escultura, dança, música, fotografia, literatura, por exemplo – e, entre elas, há pontos comuns e pontos distintivos. O principal elemento de distinção é a matéria-prima com que trabalha cada artista e a maneira com que se expressa. Em outras palavras: a linguagem de cada manifestação artística e de cada artista em particular.
A pintura explora formas e cores no espaço bidimensional da tela; a escultura explora formas num espaço tridimensional. Em ambos os casos, a troca do material utilizado resulta em diferentes maneiras de se expressar. Certos artistas, por exemplo, reproduzem uma mesma peça em mármore e em bronze com resultados distintos.
A arte literária trabalha com uma matéria-prima específica: a palavra. Entretanto, é necessário atentar para o fato de que não basta fazer uso da palavra para produzir literatura. Só se produz um texto literário quando a intenção do escritor vai além da mera informação ou de uma proposta de reflexão sobre a condição humana. Sua intenção deve estar voltada também para a própria elaboração da mensagem, selecionando e combinando as palavras de uma forma muito especial.
O crítico Jonathan Culler ressalta:

Muitas vezes se diz que a ‘literariedade’ reside, sobretudo, na organização da linguagem que torna a literatura distinguível da linguagem usada para outros fins. Literatura é linguagem que coloca em primeiro plano a própria linguagem: torna-a estranha, atira-a em você – ‘Veja! Sou a linguagem!’ – assim você não pode se esquecer de que está lidando com a linguagem configurada de modos estranhos. (CULLER, 1999, p. 35).

Finalmente, uma lembrança importante: o escritor é um artista, criador de fantasias, mas não deixa de ser também um homem que tem necessidades relativas á sobrevivência e, o que é mais importante, uma função social. O poeta Ezra Pound comenta: “A literatura não existe no vácuo. Os escritores, como tais, tem uma função social definida, exatamente proporcional á sua competência como escritores. Essa é a sua principal utilidade”. (POUND, 1975, p. 62).
Ao se iniciar o século XX, a literatura brasileira não apresentava renovação. Na poesia, repetiam-se as fórmulas parnasianas, enquanto na prosa reproduziam-se os lugares-comuns do romantismo e do realismo. A literatura, de modo geral, passava ao largo dos problemas mais sérios da sociedade brasileira, e era encarada apenas como uma forma inconseqüente de entretenimento das elites.
No entanto, alguns poucos escritores, rejeitando os modismos, conseguiram destacar-se nesse período, criando obras que representam outra postura intelectual em face da realidade sócio-cultural brasileira. Expressando uma visão crítica dos problemas brasileiros, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Graça Aranha e Lima Barreto, em maior ou menor grau, acabaram por se antecipar uma das tendências mais marcantes do Modernismo: a criação de uma literatura que investigasse mais profundamente o Brasil. Por essa por antecipar uma das tendências mais marcantes do Modernismo: a criação de uma literatura que investigasse mais profundamente o Brasil. Por essa característica, esses autores podem ser considerados pré-modernos.
Exemplificando, pode-se citar que Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, revela a situação miserável do sertanejo nordestino, abandonado pelo governo, que, em vez de compreender e resolver o problema das desigualdades sociais, só sabe agir com violência e crueldade. Monteiro Lobato se preocupa em mostrar o estado de abatimento físico e miséria cultural do camponês brasileiro. Graça Aranha, no romance “Canaã”, enfoca os problemas dos imigrantes e sua integração na sociedade brasileira. Lima Barreto trata, em sua obra, da vida obscura do proletariado urbano, dos moradores dos subúrbios e das favelas cariocas do começo do século.
Como se percebe, a literatura desses escritores não era feita para adormecer o leitor e sim para a reflexão de problemas que atingiam profundamente a sociedade brasileira.
Dessa forma, o que se convencionou chamar de Pré-Modernismo, no Brasil, não constitui uma ‘escola literária’, ou seja, não se tem um grupo de autores afinados em torno de um mesmo ideário, seguindo determinadas características. Na realidade, Pré-Modernismo é um termo genérico que designa a produção literária de alguns autores que, não sendo ainda modernos, já promovem rupturas com o passado; por apresentarem uma obra significativa para uma nova interpretação da realidade brasileira e por seu valor estilístico.

O período de 1930 a 1945 registrou a estréia de alguns dos nomes mais significativos do romance brasileiro. Assim é que refletindo o mesmo momento histórico e apresentando as mesmas preocupações dos poetas da década de 30, despontam autores como José Lins do rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e Érico Veríssimo. (BOSI, 1973, p. 79).

As transformações vividas pelo país com a Revolução de 1930 e o conseqüente questionamento das tradicionais oligarquias, os efeitos da crise econômica mundial e os choques ideológicos que levaram a posições mais definidas e engajadas formavam um campo propício ao desenvolvimento de um romance caracterizado pela denúncia social – verdadeiro documento da realidade brasileira – , em que as relações ‘eu’/mundo atingiam elevado grau de tensão.
Numa incessante busca do homem brasileiro, o regionalismo ganha uma importância até então não alcançada na literatura brasileira, levando ao extremo as relações do personagem com o meio natural e social. Destaque especial merecem os escritores nordestinos que vivenciaram a passagem de um Nordeste medieval para uma nova realidade capitalista e imperialista. Jorge Amado assim se manifesta no prefácio ao romance “São Jorge dos Ilhéus”:

Em verdade este romance e o anterior “Terras do sem-fim”, formam uma única história: a das terras do cacau no sul da Bahia. Nesses dois livros tentei fixar, com imparcialidade e paixão, o drama da economia cacaueira, a conquista da terra pelos coronéis feudais no princípio do século, a passagem das terras para as mãos aviadas dos exportadores nos dias de ontem. E se o drama da conquista feudal é épico e o da conquista imperialista é apenas mesquinho, não cabe culpa ao romancista. (AMADO, 1982, p. 8).

A esse tema poderiam ser citados outros abordados por esses autores: nas regiões de cana, a decadência dos bangüês e engenhos, devorados pelas modernas usinas – ponto fundamental dos romances de José Lins do Rego – , o poder político nas mãos de interventores, as constantes secas acirrando as desigualdades sociais e gerando mão-de-obra baratíssima, o intenso movimento migratório, a miséria, a fome.
O primeiro romance representativo do regionalismo nordestino foi “A bagaceira”, de José Américo de Almeida, publicado em 1928. Verdadeiro marco na história literária do Brasil, sua importância deve-se mais á temática (a seca, os retirantes, o engenho) e ao caráter social do que a seus valores estéticos.
Jorge Amado representa o regionalismo baiano da zona rural do cacau e da zona urbana de Salvador. Sua grande preocupação foi fixar tipos marginalizados para, através deles, analisar toda a sociedade. Seus romances, vazados numa linguagem que retrata o falar do povo – o que lhe tem valido críticas dos mais puristas –, são marcados pelo lirismo e pela postura ideológica. Acerca deste último aspecto, Jorge Amado nunca fez segredo de suas posições políticas, seja como homem público, seja como escritor, e não só dedicou alguns livros a Luís Carlos prestes, o Cavaleiro da Esperança, como escreveu uma biografia do líder comunista brasileiro.
Segundo Tavares (1983, p. 45-49):

Podemos notar, no entanto, posições mais amenas em seus romances posteriores á década de 50. De “Seara vermelha”, por exemplo, para “Dona Flor e seus dois maridos”, há uma distância clara e evidente, embora negada pelo autor em suas entrevistas. O primeiro é mais político, revolucionário, ao passo que o último é mais lírico, caracterizado por um certo humor extraído do cotidiano.

Assim, esse fato tem levado os críticos literários a compartimentar sua obra em: romances proletários – retratam a vida urbana em salvador, com forte de coloração social, como é o caso de “Suor, O país do Carnaval e Capitães de areia”; ciclo de cacau – seus temas são as fazendas de cacau de Ilhéus e Itabuna, a exploração do trabalhador rural e os exportadores – a nova força econômica da região. “Cacau, Terras do sem-fim e São Jorge dos Ilhéus” pertencem a esse ciclo. O próprio autor afirma: “A luta do cacau tornou-se um romancista” (TAVARES, 1983, p. 67-72); depoimentos líricos e crônicas de costumes – essa fase, iniciada com “Jubiabá e Mar morto”, se consolidaria com “Gabriela, cravo e canela” (que, apesar de apresentar a zona cacaueira como cenário, é uma crônica de costumes), estendendo-se às últimas produções do autor. (TAVARES, 1983, p. 63-81).


2 VIDA E OBRA DE JORGE AMADO[3]

“Não pretendi nem tentei ser universal senão sendo brasileiro e cada vez mais brasileiro. Poderia mesmo dizer, cada vez mais baiano, cada vez mais escritor baiano”.[4]

Em 10 de agosto de 1912 nasceu Jorge Amado em uma fazenda de cacau denominada Auricídia, localizada no distrito de Ferradas, no município de Itabuna, Estado da Bahia. Jorge Amado era o filho primogênito de João Amado de Faria e de sua esposa Eulália Leal Amado de Faria que tiveram ainda mais três filhos: Jofre, Joelson e James. Os fatos da sua vida são importantes conhecer, pois a sua formação familiar, social, cultural econômica são a base, o alicerce para o grande escritor que se tornou.
Uma grande enchente do rio Cachoeira, acontecida no mês de janeiro do ano de 1914, inundou as vastas plantações de cacau e arrasou a fazenda Auricídia, o que obrigou a família Amado a mudar-se indo acomodar-se em Ferradas e depois em Ilhéus, indo residir em um bairro humilde do Pontal. Assim, de repente a vida da família mudou e era necessário adaptarem-se as novas situações, em que o seu pai de fazendeiro passa a lidar com uma tamancaria com a ajuda da sua esposa. Mas três anos após João Amado de Faria voltaria a sua vida de fazendeiro adquirindo terras para plantar cacau e envolvendo-se em lutas pela conquista de roças.
Esse acontecimento marca a vida de Jorge Amado que depois transpõe para o papel na forma romanceada em sua obra Terras do Sem Fim. Outro fato que registra na obra citada, já estudando as “primeiras letras” em Ilhéus, é quando comparece ao julgamento dos implicados nas sangrentas lutas do Sequeiro do espinho e é escolhido pelo juiz para sortear os jurados. Em 1922 Jorge Amado ingressou no Colégio Antônio Vieira como aluno interno, onde já mostra seu talento ao escrever “O Mar” que lhe rende elogios do professor e orador sacro português padre Luís Gonzaga Cabral, que lhe admite ter um possível brilhante futuro como escritor.
Em suas obras Jorge Amado evidencia o sertão baiano, suas belezas, suas mazelas, sua cultura, suas peculiaridades; e isso devido, provavelmente, fruto dos fatos acontecidos e vivenciados por ele no ano de 1924 em que ao não desejar mais ser reinternado no Colégio Antônio Vieira, empreendeu sozinho, longa viagem através dos sertões.
No ano de 1925, Jorge Amado, voltava a estudar novamente como aluno interno no Colégio Ipiranga, em que viveu momentos de liberdade diferente da disciplina imposta do Colégio Antônio Vieira. É nesse período que começou a escrever, dirigindo a revista do educandário “A Pátria” e fundando com os irmãos Imbassaí o periódico literário “A Folha”. Um fato importante foi sua volta ao estudo na capital baiana, em Salvador, no ano de 1927, que lhe deu oportunidade de não ser mais aluno interno, tendo a oportunidade de trabalhar como repórter no jornal “Diário da Bahia”. “Nesse período ele estréia com um poema modernista na revista baiana “A Luva”.
No ano de 1929 Jorge Amado começou a escrever o romance Suor, iniciando sua prestigiosa carreira de escritor. Sendo que em 1931 é publicado o seu romance “País do Carnaval”.
Um fato de extrema importância que poderia encerrar essas breves palavras sobre sua via e obra seria o fato de que no dia 6 de abril de 1961, foi eleito por unanimidade de votos, para a Academia Brasileira de letras, a fim de ocupar a cadeira 23, que tem por patrono José de Alencar e fora ocupada sucessivamente pelo fundador machado de Assis e por Alfredo Pujol e Otávio Mangabeira.

A literatura no Brasil começou com escritores baianos – e era natural que assim acontecesse por ser a Bahia o fulcro administrativo e cultural da Colônia quando, no Seiscentos, em terras brasileiras medraram as belas-letras. As primeiras atividades literárias, com a poesia como expressão central, tiveram curso na cidade da Bahia com o chamado ‘grupo baiano’ a que pertenciam: o poeta e cronista Bernardo Vieira Ravasco (1617-1697), irmão mais moço do Padre Antônio Vieira e nascido na Bahia (...). (TAVARES, 1983, p. 165).

Jorge Amado é o maior romancista nascido na Bahia é um dos quatro ou cinco maiores romancistas brasileiro em todos os tempos. Pela inventiva, pelo poder da comunicação e pelo volume e difusão da obra realizada, ele se coloca entre os grandes ficcionistas universais do momento.


2.1 TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA: A FIGURA FEMININA NA OBRA DE JORGE AMADO

Tereza Batista Cansada de Guerra, publicado em 1972, é a história da luta de uma mulher num ambiente quase sempre áspero e hostil – a Região Nordeste do Brasil, poderosamente hostil.
O mundo retratado por Jorge Amado nesse romance que representa o sertão nordestino, é um mundo quase sempre de sofrimento, de violência e de miséria. E é esse mundo que Tereza, a personagem principal que dá título ao romance, começa a conhecer muito cedo.
O romance conta a história de Tereza que órfã aos oito anos e meio de idade, passa a viver no casebre com o casal de tios pobres Rosalvo e Filipa, a qual antes de a menina completar os treze anos, vende-a por “um conto e quinhentos, uma carga de mantimentos e um anel de pedra falsa, porém vistosa” (AMADO, 1982, p. 68), ao rico e infame Justiniano Duarte da Rosa.

Felipa deseja apenas negociar, obter algum lucro, mesmo pequeno, Tereza é o único capital que lhe resta. Se pudesse esperar uns anos mais, com certeza faria melhor negócio, pois a menina desabrocha com força e as mulheres da família eram todas bonitas demais, disputadas, fatais. (...) Justiniano Duarte da Rosa tirou o maço de dinheiro, foi contando cédula por cédula, devagar, a contragosto. Não lhe apraz desprender-se de dinheiro, sente uma dor quase física quando não lhe resta outra saída senão pagar, dar ou devolver. (...) arrastaram-na para o caminhão, ele e Terto. Felipa andou para a casa, a pedra verde reluzia ao sol. (...) No estribo do caminhão estava escrito em alegres letras azuis: DEGRAU DO DESTINO. Para fazê-la subir, Justiniano Duarte da Rosa aplicou-lhe mais um tabefe, dos bons. Assim Tereza batista embarcou em seu destino, peste, fome e guerra. (AMADO, 1982, p. 71-78).

Assim inicia a vida de sofrimento de Tereza, primeiro, com a orfandade; segundo, quando é vendida, ainda menina, a um certo capitão Justo. Sob o açoite do seu dono, ela vai experimentar, à flor da pele e ao fundo de si mesma, o sentido da palavra “servidão”. O rico e infame Justiniano Duarte da Rosa, dito capitão Justo, a leva consigo para um sítio adjacente e depois para seus armazéns e residência em cajazeiras do Norte, violando-a, conspurcando-a, seviciando-a até submetê-la passivamente ás maiores torpezas.
Publicado em 1972, Tereza Batista Cansada de Guerra apresenta aos leitores mais uma personagem fascinante criada por Jorge Amado. Uma mulher cuja personalidade indomável e muitas vezes imprevisível choca contra as convenções e se rebela contra o destino que lhe tentam impor.
Tereza Batista viveu desde a infância pobre, privada da liberdade, com a crueldade de não ter controle sobre a sua própria vida.

O capitão mete a chave na fechadura, abre a porta do quarto, entra, muda a chave, tranca a porta por dentro, coloca o candeeiro no chão. Tereza se incorporou, está de pé contra a parede do fundo, os lábios semi-abertos, atenta. (...) Com a luz pequena e suja inspeciona a mercadoria: cara, um conto e quinhentos mil-réis e mais o vale para o armazém. Não se arrepende, dinheiro bem empregado – bonita de cara, bem feita de corpo; ainda mais o será ao crescer em mulher no busto e nas ancas. (...) nada se compara ao verdor das meninas assim, ainda com gosto de leite materno (...). Felipa falara certo: para encontrar mais bonita só indo á capital, quer dizer, à Bahia, nem em Aracaju conseguiria assim tão perfeita, a cor assentada em cobre, os cabelos negros batendo nas costas, as pernas altas, uma pintura, igual a certas estampas de santas, ali na parede tinha uma. (...) deita aí!, ordena. Deita aí!, repete. (...) a menina se afasta sempre junto à parede (...). O capitão gosta de conquistar, de sentir a resistência, o medo, quanto mais medo melhor. (...) Vamos, lindeza! Dá um passo o capitão, Tereza se furta, recebe um tapa nas ventas. Ri de novo o capitão, é a boa hora do choro. (...) em vez de chorar, Tereza responde com um pontapé (...) foi Tereza quem tirou sangue primeiro. (...) Curva-se o capitão para ver, quando se alteia abate o punho no ombro da menina. Com toda a força para educar. (...) Nos olhos de Tereza apenas ódio, mais nada. (...) Na raiva, o capitão terminara batendo por bater, maltratando por maltratar (...) O capitão perde a cabeça, vou te ensinar, cachorra! Dá um passo, recebe o pé de Tereza nos ovos, dor mais sem jeito, dor mais pior., solta um grito medonho, se torce e contorce. Tereza alcança a porta, bate com os punhos, pede socorro, por amor de Deus me acudam, ele quer me matar. Ali mesmo recebe a primeira mordida da taca de couro cru. Taca feita de encomenda, sete cordas de couro de boi, trançadas, tratados a sebo, em cada corda dez nós. Enlouquecido, em fúria, na dor desmedida, o capitão só pensa em bater. (...) O capitão só deixa de bater quando Tereza pára de gritar, posta inerte de carne. (...) O capitão ama descabeçá-las ainda verdinhas, com cheiro e gosto de leite. Tereza, com gosto de sangue. (AMADO, 1982, p.107-111).

Ao cabo de dois anos de servidão, cede á sedução do estudante Daniel Gomes, com quem é surpreendida por Justiniano: acuada, na iminência de morrer, ela em desespero, o sangrou “com a faca de cortar carne-seca” (AMADO, 1982, p. 184) o seu algoz. Tereza é presa em cela comum apesar de menor (contava quinze anos).

Tereza adormecera após a escalada do céu. Fumando um cigarro, Daniel pensa na melhor maneira de lhe anunciar a iminente partida para a Bahia, para a faculdade e os cabarés (...) A voz de Justiniano Duarte da Rosa arranca Daniel da cama, num salto, e desperta Tereza. O capitão está parado na porta do quarto, pendente do pulso no braço direito a larga taca de couro cru, sob o paletó aberto o punhal e a pistola alemã. (...) em dois passos o capitão o alcança e lhe aplica um par de bofetadas na cara (...) Apavorado, Daniel limpa o canto do lábio com a mão, olha o sangue, soluça. (...) como pôde se atrever? Sabe o que você vai fazer para começar? Para começar ... – repetiu – vai me chupar o pau e todo mundo vai ficar sabendo, aqui e na Bahia. (...) Daniel engole em seco, a taca suspensa, silvando, dispõe-se a obedecer, quando o capitão sente a facada nas costas, o frio da lâmina, o calor nos olhos, a beleza deslumbrante e o ódio desmedido. O medo onde está, o respeito ensinado tão bem aprendido Tereza? Larga essa faca, desgraçada, não tem medo que eu lhe mate? Tu já esqueceu? Medo acabou! Medo acabou, capitão! A voz livre de Tereza cobriu os céus da cidade, ressoando por léguas e léguas, varou os caminhos do sertão, os ecos chegaram à fímbria do mar. Na cadeia, no reformatório, na pensão de Gabi trataram-na por Tereza Medo Acabou; muitos nomes lhe deram vida afora, esse foi o primeiro. (...) Veio mais à frente Justiniano na intenção de agarrar a maldita, sujeitá-la na cama, romper-lhe o eterno (...) Mergulhando por baixo, Tereza batista sangrou o capitão (...) (AMADO, 1982, p. 182-183).

Assim é impronunciada por interferência do rico usineiro Dr. Emiliano Guedes e internada num convento, donde foge induzida pela caftina Gabi de cujo bordel é resgatada pelo Dr. Emiliano, que a instala num chalé em estância e onde a menina-moça poliu-se e floresceu em mulher bonita, até que, com a súbita morte do amante, ao termo de seis anos de vida calma, ela se vê só e desamparada.
Vai ser sambista num cabaré de Aracaju e conhece o marítimo baiano em transito, Januário Gereba, apaixonando-se para sempre os dois. Ele casado, volta para a esposa que definha tuberculosa na Bahia.
Desiludida, Tereza segue para Buquim, no interior sergipano, quando ali ocorre devastadora epidemia de varíola, agravada pela deserção dos servidores do posto Médico, exceto do vigia maxi, com quem ela e suas rameiras voluntárias empreendem combate à peste e assistência aos enfermos, um espantoso “enredo de choro, pus e morte” relatado em ABCs pelos folhetos de cordel nas feiras do Nordeste. Não admira que, diante de tal peripécia, mulheres italianas tenham homenageado a heroína de Jorge Amado, batizando a sede do Clube Feminista Italiano, em Milão, com o nome de Casa de Tereza Batista.
Demanda então a cidade da Bahia, com itinerário por várias localidades sertanejas, na esperança de afinal encontrar seu amado Gereba que, já viúvo, embarcara de taifeiro num navio estrangeiro.
Ao fixar-se na capital baiana vai ser dançarina de cabaré e participa de rumorosa greve do meretrício contra a ordem de mudança compulsória, ocasião em que, com outras mulheres, é presa e maltratada pela polícia. É libertada graças aos amigos e pedida em casamento, com a divulgação do naufrágio sem sobreviventes do cargueiro em que estava Gereba, aceita. Mas o final é surpreendente, pois Gereba não embarcara e no dia do casamento de Tereza, reaparece. Em Aracaju, cansada de guerra, no dia de seu casamento sem amor, foge com Januário Gereba o sonho realizado. Enfim, ela e ele, voltam-se para o futuro.
Uma história forte nas emoções, bem ao estilo de Jorge Amado que apresenta a força de uma mulher contra todas as adversidades.
A literatura de Jorge Amado exibe uma sociedade que mostra uma rede de interações pessoais estabelecida nas relações sociais, onde o homem monopoliza as decisões em suas mãos. O poder em si não existe, o que existe são relações que se estabelecem para impor certas regras de dominação.
O erotismo feminino é evidenciado nas obras de Jorge Amado e não é só um elemento da técnica narrativa utilizado no intuito de mobilizar sentidos e produzir reconhecimentos. Percebe-se que a nudez pode ser entendida como uma forma de comunicação e o papel do erotismo interfere nas descobertas que o leitor poderá fazer.

Apesar da meia-luz ambiente e da localização da mesa, a formosura de Tereza não passou despercebida. (...) Então é você a estrela candente do samba, não é? Sabe que o anúncio de Flori é um poema? Naturalmente não sabe, nem precisa saber, sua obrigação é ser bela, somente. (AMADO, 1982, p. 17).

A mulher retratada por Jorge Amado tem forte carga de erotismo. É sensual e forte, transgredindo, muitas vezes, as convenções sociais, mas, ao mesmo tempo, traduz a opressão sofrida por seu gênero. O simples fato de ser mulher já lhe confere distância da organização política e econômica na sociedade. Nas obras desse autor o patriarcalismo também impera e a figura feminina é submetida ao poder masculino que era acentuado pelo coronelismo. Comparada a um mero objeto, deveria apenas satisfazer os desejos sexuais masculinos. Mera espectadora na sociedade e isolada à condição de fêmea reprodutora, nesse romance a mulher é representada através da descrição minuciosa de seu corpo, com um erotismo exacerbado.

Gentileza talvez não fosse palavra correta. Homem de pouca ilustração, Justiniano Duarte da Rosa não era de finuras e rodeios, de subentendidos gentis. (...) Quem tem coragem de protestar ou dar queixa? Quem é chefe político no lugar, quem escolhe o delegado? Os praças não são capangas do capitão mantidos pelo Estado? Quanto ao meritíssimo juiz, compra sem pagar no armazém de Justiniano e lhe deve dinheiro. (AMADO, 1982, p. 70-71; 83).

As mulheres pobres e mestiças eram naturalmente conduzidas pela hierarquia social ao trabalho doméstico escravo ou à prostituição. A narrativa de Jorge Amado não demonstra nenhum julgamento preconceituoso em relação à condição social representada por essas personagens. Pelas regras sociais, elas não eram destinadas ao casamento, primeiro pela questão financeira, não tinham como perpetuar a riqueza do possível marido, segundo, pelo preconceito que separava as negras e as mestiças da ascensão social.
Essas mulheres não tinham nenhum acesso à educação para o lar, não sabiam ler, escrever nem tinham quaisquer meios para aprender regras de etiqueta, que as senhoras casadas deviam, por sua vez, conhecer bem.
As meretrizes tinham liberdade concebida, pois não se sentiam inibidas ao praticar sua sexualidade. Porém, existia entre elas um tipo de acordo. Quando resolviam não atender nenhum homem para o “desfrute”, elas até travavam lutas corporais para defender seus direitos.

Greve do balaio fechado, eis como a imprensa intitulou o movimento. Devido a piedoso hábito de abstinência das prostitutas, que não recebem homens a partir da meia-noite de quinta-feira santa quando “fecham o balaio” para reabri-lo somente ao meio-dia do sábado, no romper da aleluia. Com este devoto costume, escrupulosamente observado, comemoram na zona a Semana Santa. (...) Declaram-se todas solidárias. Saem à rua, anunciando a decisão de porta em porta. Nília Cabaré arranjou um cadeado com o patrão do bar e o prendeu na saia, na altura exata. (...) Feche o balaio agora mesmo, começou um calendário novo, o tempo da paixão das putas, a penitencia só terminará quando as raparigas retornarem ás casas da Barroquinha e romperam a aleluia destrancando as fechaduras dos balaios. (...) Saltam mulheres do leito de trabalho, deixam os fregueses em meio do folguedo, trancam os xibius. (...) (AMADO, 1982, p. 344; 363-364).

Na concepção delas, o meretrício não as tornava mercadoria. Esse comportamento transgride os padrões advindos da ideologia européia. Elas eram objeto de prazer, sim, mas não pertenciam a ninguém.
As prostitutas não se sentiam ligadas a nenhum homem a ponto de ceder somente quando ele quisesse. Essas mulheres eram donas de si mesmas e usavam o próprio corpo para a sobrevivência, sem culpa alguma, já que não lhes restava alternativa. A sociedade as excluía por serem mulheres, pobres e mestiças. O gênero, a classe e a etnia norteavam o destino delas. Então, faziam do meretrício o seu sentido de suas vidas.
Desde o princípio da história do mundo, através da imagem de Eva, foi associada à mulher a figura de pecadora, ser inútil, que desvia a atenção do homem para os assuntos sérios da sociedade. Essas meta-narrartivas constituíram um grande respaldo para que o poder masculino se perpetuasse.
O desejo de liberdade era pertinente às mulheres de todas as classes sociais, como se pode perceber, e, além disso, esse anseio não ficava preso aos pensamentos da mulher baiana. Ela o transformava em ações e, assim, infringia as regras pré-estabelecidas para o seu gênero: cometia adultério, tentava escolher seu esposo ou praticava a prostituição, segundo suas próprias regras, mesmo enfrentando, em contrapartida, as relações de poder masculino.


3 O EROTISMO FEMININO NO ROMANCE DE JORGE AMADO: TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA

“Em todo encontro erótico há um personagem invisível e sempre ativo: a imaginação, o desejo”. (Paz, 1993).

Na sociedade contemporânea o erotismo está presente em quase todos os meios de comunicação, seja em uma simples campanha publicitária de cerveja, seja para anunciar, por exemplo, um loteamento de determinado área. É uma forma de estimular o impulso não só sexual, mas principalmente comercial, em que associa-se a beleza sensual uma imagem de prosperidade. O erotismo feminino é mais explorado que o masculino, apesar de hoje já se vislumbrar algumas campanhas publicitárias utilizando a beleza e a sensualidade do ser masculino, a mulher continua sendo o desejo do pecado.
O erotismo pressupõe um conceito de arte e uma existência da própria arte erótica como objeto estético, feito para ser visto e admirado. O erotismo diz respeito ao belo, à estética sexual, a arte de transformar corpos em obras de arte.
Jorge Amado lança mão desses recursos em suas obras, mas de uma forma bem regional retratando a mulher nordestina, principalmente a baiana, exaltando além da sua beleza e sensualidade, sua força, sua garra, suas lutas, transformando-a em mulheres, além de tudo, guerreiras.
Percebe-se que o erotismo feminino, pede o romance, o apaixonar-se, a descoberta, o deslumbramento, o homem extraordinário que a tira do lugar comum, belo, forte, seguro, porém distante, fascinante e inatingível e mesmo assim, num golpe de mágica reconhece-a na multidão, descobre-se loucamente apaixonado, essa criatura selvagem, in domável, interessa-se por ela. Surge a figura da rival, mulher sem preconceitos, mestra na arte de seduzir, que ameaça sua conquista, depois de grandes dramas, no final do conto ambos se reconhecem apaixonados, toda desconfiança se desfaz, o homem é redimido e aceito finalmente pela mulher. (BATAILLE, 1987, p. 57).

Januário Gereba, a seu serviço. (...) Ele lhe recorda alguém, pessoa conhecida, quem será? (...) Da janela do carro ela ainda o viu, mestre Januário Gereba, andando para os lados da ponte atracara a barcaça. Era da cor da aurora, na aurora se dissolveu. Coração em descompasso, o mesmo impacto a deixá-la tímida, sem forças, sem resistência, sentindo pela primeira vez há tantos anos no armazém quando enxergou Daniel, anjo saído de um quadro da Anunciação (...) (AMADO, 1982, p. 26, 28-29).

Nos contos e romances para mulheres, as emoções profundas, o erótico não é o relacionamento sexual, mas sim a languidez, o arrepio causado pela emoção, a inquietação do ciúme, a paixão que vem sem ser chamada e que aperta o coração, que faz sofrer, que faz esperar. O erotismo surge da inusitada paixão do herói pela Cinderela. É também ansiedade, é o medo de não ser amada, é necessidade de ser procurada, constante e continuamente. (BATAILLE, 1987, p. 57-58).

Na cidade dormida, no porto deserto, sozinha, mortificada, o amor-próprio ferido, Tereza batista procura Januário Gereba. Quem sabe, não pudera vir, ocupado ou doente. Mas não custava avisar (...) Não tinha direito a tratá-la como uma mulherzinha qualquer, ela não lhe pedira para vir. (...) Nem rastro de mestre Gereba, do gigante Janu. (...) Difícil de lágrimas, em vez de chorar fica de olhos secos, ardidos. Alguém marcha em sua direção, com pressa, Tereza imagina tratar-se de homem à cata de mulher-dama (...) Tereza pensa em apressar o passo mas o andar gingado e uma nota de aflição na voz do homem fazem-na parar. (...) Boa noite, siá dona. Eu sou mestre Gunzá, amigo de Januário (...) Ele está doente? Marcou comigo e não apareceu (...) Está preso. (...) Ah! Janu, pensar que desejei te esquecer, cobrir de cinzas a brasa acendida, apagar as labaredas que ardem em meu peito! (AMADO, 1982, p. 38, 39-42).

O erotismo contém, na sua profundidade, a inquietação do conhecer e tenda a se abrir para o mundo. Segundo Bataille (1987, p. 64), pelo erotismo, a atividade simplesmente sexual se transforma em “uma busca psicológica”, configurando-o como um aspecto da vida interior do ser humano, sempre vivenciado como transgressão. A experiência erótica atesta o caráter duplo do espírito, a sua heterogeneidade. Esta heterogeneidade afirma o interdito e a transgressão, a oposição entre o pensamento e o espírito, pois “o interdito intimida, mas a fascinação introduz a transgressão”.
O erotismo feminino é uma sucessão de portas que se abrem para o amor mais íntimo, para a eroticidade. Ao ver no corpo libidinal os atributos da alma, a mulher sente sua capacidade sedutora e a possibilidade de experienciar a fusão do mundo e da vida, sob os desígnios de Eros (Deus Grego do Amor).

O importante do corpo libidinal é como ele recobre o corpo sexual e imprime sentidos na anatomia e gestualidade corporal. O corpo adquire uma linguagem dupla e ambígua que expressa ou não o prazer, as intensidades. A sociedade e o contato com o outro exercem controles, mas, se bem observados os mesmos gestos podem falar de repressão ou significar um contradiscurso. (GÓES & VILLAÇA, 1998, p. 175).

Jorge Amado em sua obra “Tereza Batista Cansada de Guerra” mostra esse corpo libidinal quando a personagem através de todo o seu erotismo, desejada por muitos homens, aguarda seu amor, não se doando por completo a nenhum outro, mostrando seu corpo dessa forma ambígua, em que é um para o serviço e outro para seu amado: “Januário Gereba encomendara lua de ouro e prata, lanterna fincada no alto dos céus sobre os corpos embolados na ânsia do amor; eram dois ao chegar, são um só, nas areias da praia encobertos por uma onda mais alta” (AMADO, 1982, 47).
O Brasil nasceu erótico. Desde o descobrimento que os portugueses sempre descreveram o novo mundo como um paraíso de sedução. Pero Vaz de caminha nas suas famosas cartas da terra de Santa Cruz, descreve com grande carga erótica a nudez das índias do Brasil. Se manteve durante séculos a tendência de exportar toda uma cultura sexual, costumes, valores morais e padrões estéticos.

Adeus, marinheiro. (...) O último beijo reacende os lábios frios; o amor dos marujos dura o tempo da maré (...) Línguas sedentas, dentes famintos, bocas em desespero, nelas a distância se queima em beijo de fogo, fundem-se a vida e a morte. (...) um dia voltarei nem que chova canivetes e o mar se transforme em deserto (...) náufrago em busca do porto perdido, de teu seio de tenra pedra, teu ventre de moringa, tua concha de nácar, as algas de cobre, a ostra de bronze (...) Da ponte, dos braços de Tereza, salta o marinheiro para o convés da barcaça (...) Estátua de pedra, imóvel Tereza, os olhos secos (...) A noite a envolve e penetra de trevas e vazio, de saudade e ausência, ai meu amor, mar e rio. (AMADO, 1982, p. 62-63).

Estar com que se ama e pensar em outra coisa: “é assim que tenho os meus melhores pensamentos, que invento melhor o que é necessário ao meu trabalho” (BARTHES, 1999, p. 35). Talvez, assim como Barthes Jorge Amado, expresse em seus romances seus sentimentos. “O mesmo sucede com o texto, ele produz em mim o melhor prazer se consegue fazer-se ouvir indiretamente (...)” (BARTHES, 1999, p. 35). Jorge Amado, certamente na realização de suas obras obtinha esse mesmo prazer.
Jorge Amado contribuiu para o reconhecimento das características de identidades brasileiras, explícitas na literatura baiana. Suas personagens femininas etnicamente híbridas, fortes e ousadas reafirmam a brasilidade, pois podem ser percebidas como diferentes do inventário etnocêntrico, apesar de sofrerem certas imposições, já que, muitas vezes, transgrediam as regras sociais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao ler um texto desloca-se a subjetividade e ao sabor dos prazeres da leitura, encontra-se sempre um mistério como um “tecido de vozes” (BARTHES, 1999, p. 39), que se entrelaça. Através do mundo do texto se dá o desnudamento da representação. A cronologia, a temporalidade e a espacialidade são dividas, dando lugar ao “devir”. Existe um texto no mundo, como no livro.
O romance de Jorge Amado “Tereza Batista Cansada de Guerra” revela uma mulher que representa a brasileira nordestina, sem glamour, mulher do povo, sofrida, que passa por momentos terríveis, mas que não se cansa nunca em lutar, e vale ressaltar que apesar da dureza da sua vida, tem valores éticos e morais que muitas mulheres da alta sociedade talvez não os tenha, piedosa, ajuda aos que precisa sem olhar a quem.
Essa personagem experimenta o amor e o prazer, não conforme os padrões estabelecidos pela dita ‘boa’ sociedade, sem receio de perder a própria identidade nesse processo de aprendizagem amoroso. Sempre lutou pela sua independência da vida pessoal sem se desvincular do ato de amar. Apesar de que doar seu corpo como forma de trabalho, não houvesse necessariamente sentimentos amorosos.
A obra referenciada nesse trabalho leva o leitor a uma viagem ao sertão baiano, com personagens que por vezes, se transfiguram em reais, ou em algo já conhecido, a trajetória da leitura vai sendo construída a partir de escolhas e descobertas. A narrativa desenrola-se num prazer individual que remete ao prazer do outro e concretiza o próprio mistério pela releitura de si mesmo. No texto o processo narrativo tende a instaurar a estranheza ao conduzir a realidade social ou pessoal.
A produção textual advém de uma relação de fruição, guiada pela articulação entre ações e registros, entre imagens e palavras. O texto-mundo traz em si uma enunciação intransitiva e ambígua, é algo que se faz, se elabora, tal qual a trama do tecido barthesiano.

Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo. (BARTHES, 1999, p. 82-83).

Dessa forma, Jorge Amado narra o mundo feminino, a evolução da personagem que deseja no decorrer da história, alçar outros sentidos; na confluência do amor com o prazer, Tereza procura a sua verdadeira essência. A narrativa concretiza o próprio mistério de sua experiência: capta um momento, enuncia uma continuação e evidencia que o seu mundo existia antes do livro.
Nessa obra percebe-se que o erotismo aflora quando esta mulher comum, que nada tem a oferecer, sente o olhar e o interesse do herói pousados nela. O erotismo é também ansiedade, medo de não ser amada. É necessidade de ser procurada, procurada e mais procurada. É recusa, dizer não com a ansiosa esperança que o amado volte apesar daquele não. O erotismo atinge seu ponto nesta tensão, nesta indagação contínua, sempre desiludida e sempre renascente: Ele gosta de mim? Me deseja? Me ama?
O erotismo feminino é influenciável pelo sucesso, pelo reconhecimento social, pelo aplauso, este aspecto encaixa-se na tendência da mulher a contigüidade-continuidade.
Tereza Batista é pura sedução. A narração mostra em suas palavras o andar cadenciado, lânguido e “inocente” pelas ruas das cidades. O percurso que faz nas ruas é acompanhado com desejo por todos, sua chegada ao cabaré aumenta a clientela, exatamente, neste horário. O jeito inocente e moleque da morena é mostrado nas danças com os clientes, a cada movimento, dá para perceber na imaginação um pouco das suas coxas roliças, do seu corpo detalhado pelo autor.
O capitão Justiniano retrata o hábito nordestino de ser o iniciador sexual de meninas ofertadas pelos pais em troca de comida e educação, e dinheiro, no caso de Tereza Batista.
Uma das características mais evidentes da Modernidade, no contexto dos países em desenvolvimento, está na oposição entre presente e passado, com uma procura acentuada do novo e a conseqüente rejeição do antigo. Isto leva a afirmar, sem receio, que no século XX assiste-se a um movimento de constantes alterações em valores, práticas e papéis que as pessoas desempenham, em um número considerável de sociedades. Assim, buscou-se estabelecer reflexões sobre mudanças e continuidades na educação, no comportamento e no papel da mulher, quer quando idealizado quer concretizado nas tarefas a ela atribuídas, no dia a dia, na obra de Jorge Amado, evidenciando a figura feminina.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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__________. São Jorge dos Ilhéus. 44. ed. Rio de janeiro: Record, 1982.

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.

BATAILLE, Georges. O Erotismo. 2. ed. Tradução de Antonio Carlos Viana. Porto Alegre: L&PM, 1987.

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CULLER, Jonathan. Teoria Literária – uma introdução. São Paulo: Beca, 1999.

DURIGAN, J. A. Erotismo e Literatura. São Paulo: Ática, 1985.

FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. Tradução de Christiano Oiticica. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

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LIMA, Alceu Amoroso. A Estética Literária e o Crítico. 2. ed. Rio de janeiro: Agir, 1954.

MARCONDES FILHO, C. A Linguagem da Sedução. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1988.

PAZ, O. A Dupla Chama – Amor e Erotismo. 2. ed. São Paulo: Siciliano, 1993.

POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 1975.

TAVARES, Paulo. O Baiano Jorge Amado e Sua Obra. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1983.

VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1954.



[1] Trabalho apresentado como parte dos requisitos obrigatórios para conclusão do Curso de Especialização em Língua Portuguesa, com ênfase em Leitura e Produção de Textos, promovido pela Faculdade do Vale do Jaguaribe – FVJ, em Aracati-CE.
[2] Funcionário Público Federal, graduado em Letras e aluno do Curso de Especialização em Língua Portuguesa da Faculdade do Vale do Jaguaribe – FVJ, em Aracati-CE.
[3] TAVARES, Paulo. O Baiano Jorge Amado e Sua Obra. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1983.
[4] AMADO, Jorge. Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras: pronunciado a 17 de Julho de 1961. In: TAVARES, Paulo. O Baiano Jorge Amado e Sua Obra. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1983.